Por Stephany Santana
“Paz entre nós e guerra aos senhores”
Vivendo em comunidade, estar com outros iguais e entender-se como alguém com perspectivas próprias é sinônimo de fortalecimento. A partir da partilha de experiências cada um vai deixando no outro algo de si, constituindo um sujeito nutrido que abriga aprendizados e memórias não apenas suas, mas de todo um coletivo. Para muitos povos indígenas, a unidade e o sujeito coletivo estão presentes desde sempre. “É o mais velho contando uma história, ou um mais novo que teve uma experiência que pode compartilhar com o coletivo a que ele pertence; isso vai integrando um sentido da vida, enriquecendo a experiência da vida de cada sujeito, mas constituindo um sujeito coletivo.” (Ailton Krenak)
Com o liberalismo, a coletividade foi engolida através da ideia de desenvolvimento econômico e de um indivíduo “livre” que não se reconhece enquanto povo. Foi enfiado nas nossas cabeças que a liberdade do outro é a limitação da nossa, e não o signo de uma libertação comum, compartilhada. O individualismo imposto – e frequentemente incentivado – é responsável não apenas pela competição entre os nossos, mas também pelo enfraquecimento da luta e individualização da culpa sobre as crises socioambientais, sanitárias e econômicas causadas pelo capital.
Como um veneno que intoxica o solo, o individualismo mina todo o território fértil para a construção coletiva e cooperativa das lutas. Ele enfraquece o sujeito, que se coloca como um, enquanto pode ser muitos. E apenas sendo muitos – e ao mesmo tempo um só – é que é possível construir um bem comum e uma nova forma de se viver.
A jornada é longa e laboriosa, e, para o avanço dos passos, as estratégias precisam ser planejadas em coletividade, numa construção que flui e resiste como água se desviando das pedras, em grande luta em meio aos conflitos sociais, buscando rumo seguro (Teia dos Povos; livro Por Terra e Território)
Eles nos querem separados, porque a união é revolucionária.
Foto: Ueslei Marcelino
A natureza, como sempre, ensina. As formigas argentinas, por exemplo, formam as chamadas super colônias: formigueiros com milhões de ninhos diferentes e bilhões de formigas operárias trabalhando juntas. As super colônias são gigantes e chegam a se estender por 6 mil km. Isso acontece porque, enquanto formigueiros comuns disputam entre si, os formigueiros da super colônia não competem uns com os outros, constituindo a maior unidade cooperativa do mundo, um dos fatores da permanência das formigas por mais de 100 milhões de anos.
Com ajuda da ação humana, as formigas argentinas se espalharam pela maior parte do mundo e hoje estão por todo lado. Elas se recusam a estar umas contra as outras e, mesmo quando de lugares diferentes, elas se entendem como partes de uma mesma colônia.
Foto: Tan Hung Meng
Um pequeno relato: durante a pandemia do Corona vírus a sensação de raiva e tristeza diante do caos arquitetado foi avassaladora e paralisante. Olhar para o cenário vivido e ser tomada pela sensação de impotência foi sufocante. Mas me permitir estar em um coletivo organizado na luta foi necessário para me fazer enxergar que o que não falta nesse momento é coisa para fazer, pois só o povo salva o povo. A raiva e tristeza ainda são avassaladoras, mas não mais tão paralisantes, se tornaram combustíveis para a luta. Ter uma rede de pessoas que caminham olhando e construindo um mesmo horizonte é saber que há com quem dividir as alegrias do caminho, mas também os percalços e dificuldades. O fardo é mais leve dividido em diferentes costas.
constatar que somos muitos o que estamos na mesma luta é o que nos torna fortes, o que nos radicaliza.
- Marta Harnecker
REFERÊNCIAS
https://www.expressaopopular.com.br/loja/wp-content/uploads/2020/05/ideias-para-a-luta.pdf
https://teiadospovos.org/por-terra-e-territorio-primeiras-palavras/