Imagem: Marizilda Cruppe/Amazônia Real
Por Núcleo Bahia
A grilagem de terra é o ato de se apoderar de terras públicas ilegalmente, mediante artifícios cartoriais fraudulentos, com ou sem uso de violência contra seus possíveis ocupantes. Para além de um processo perverso de expropriação da terra, que faz sumir a posse ou até mesmo a propriedade de agricultores familiares ou de povos e comunidades tradicionais, é também crime ambiental contra a vida e o futuro da humanidade e das demais espécies. Porque –impulsionada pelo avanço da exploração capitalista, motivada por interesses mercantis e rentistas, de acumulação incessante e especulativa de bens –, a grilagem quase sempre acarreta desmatamento e queimadas, degradação de solos e águas, poluição do ar e erosão da sociobiodiversidade, com impedimento e mesmo extermínio de culturas de preservação.
A grilagem de terra é responsável por 35% do desmatamento na Amazônia, diz o Instituto de Pesquisas da Amazônia.
A grilagem de terras está relacionada, além do desmatamento ilegal, com crimes outros como a prática ao trabalho escravo.
A grilagem impede a continuidade da vida e o desenvolvimento de comunidades camponesas e de povos tradicionais, de grande diversidade e riqueza cultural e ambiental, que utilizam esse bem fundamental que é a terra para seu sustento e usufruto, de modo a garantir também suas futuras gerações. É, portanto, crime
contra a vida e o futuro desta gente, que está na raiz da nacionalidade.
A grilagem desencadeia um processo de degradação ambiental com o uso indiscriminado de áreas nativas ou cultiváveis e produtivas, que preservam nascentes e matas, espécies e ecossistemas, substituindo-as por empreendimentos de monocultura, pecuária extensiva ou intensiva, mineração, produção de energia e
uma infinidade de outras atividades que atendem à necessidade exclusivamente à reprodução do sistema capitalista que está levando a humanidade e o planeta a crises terminais.
A grilagem é parte institucional da cultura brasileira, desde as capitanias hereditárias e sesmarias, prática de que não era “amigo do rei” e mesmo de quem o era… Assim como o garimpo ilegal, o trabalho escravo, tráfico de animais… E sempre que o sistema capitalista entra em crise – o que está sempre acontecendo – essas práticas se atualizam.
O Fórum Popular da Natureza – que não é somente de um mero grupo de ambientalistas, mas articula, a partir das bases organizadas da sociedade, ideias e ações em defensa da natureza e da vida – entende que é dever do Estado garantir o direito à terra, prioritariamente, a quem nela trabalha e vive de seu trabalho, preservando as condições ambientais e de trabalho, conforme o preceito da “função social da propriedade”, constante no inciso XXIII do artigo da Constituição Federal.
No entanto, a grilagem é um crime que não tem como ser praticado isoladamente, pois pressupõe uma rede de fatores conectados e em conluio, o que implica omissão e/ou conivência de órgãos do Estado e funcionários públicos. A grilagem, enquanto fraude de registros públicos e uso de violência para usurpação de terras públicas e de agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais, é, pois, um crime e a sociedade deve agir para o enfrentamento a esses quadrilheiros e expurgo e punição deles.
Por fim, entendemos que a intensificação da grilagem de terras no Brasil e na Bahia está relacionada ao grave momento político e social que vivemos: “entramos num período de guerra aberta. Com um desgoverno que pretende destruir nosso modelo político baseado na democracia, para implantar a barbárie e o fascismo. Todos estamos sob ataque. Indígenas e comunidades tradicionais sob ataque. OSC sob ataque. LGBTQI+ sob ataque. Mulheres sob ataque… É a estratégia da guerra continuada e híbrida, sem dar fôlego aos adversários. É a junção da intimidação, eliminação física, destruição das instituições e a provocação de grandes sofrimentos emocionais. Tudo ao mesmo tempo”. (Carvalho, Guilherme). Nesse momento o crime organizado retoma força, aproveitando-se do enfraquecimento do Estado, da desorganização das instituições e da desarticulação da sociedade civil. Por isso a união neste momento é decisiva para que possamos fortalecer a luta. A saída é o
enfrentamento, senão continuaremos assistindo, cada vez mais, “a boiada passar”.