Texto por: GT de Comunicação
Vivemos sob uma longa crise da práxis. Isto é, a falta de ligação entre a teoria e a prática. Contudo, especialmente nas últimas décadas, muito se desenvolveu para reverter tal crise. Não nos enganemos, todavia, pois os grandes saltos teóricos e práticos das últimas décadas possuem raízes longínquas e profundas nas lutas e resistências de povos tradicionais.
Os ecofeminismos são uma dessas formas de práxis que tomam as relações sociais-natureza como fundamentais no bojo teórico e prático. Isso quer dizer que o olhar ecofeminista mira não apenas nos seres, mas em como os seres estão nas relações. Ou seja, são as formas em que os animais humanos se relacionam entre si, com animais não-humanos, e com a natureza. Seu olhar para as relações não é por acaso. Visa apontar justamente como tais relações são de dominação-opressão.
Pensando o ambientalismo como uma questão feminista, os ecofeminismos consideram o patriarcado como matriz das dominações da mulher, da natureza e de animais não-humanos pelo homem. Há uma grande história de opressão e dominação, que é possível evidenciar, ao menos em parte, pelas associações entre mulher e natureza. De acordo com Lemgruber (2020), dualismos foram estabelecidos, como homem/mulher, razão/emoção, cultura/natureza. Ou seja, de um lado temos o dominador homem com a razão e a cultura, e do outro a mulher, a natureza e animais não-humanos subjugados a esse sistema.
As associações não são apenas simbólicas, elas são parte da dialética das relações sociais. A sequência homem-razão-cultura não é senão a racionalidade por trás dos ideais de desenvolvimento e progresso que, especialmente após o desastre da “revolução” industrial e a consolidação do sistema capitalista, tanto drenam a terra quanto excluem a participação do ser mulher, uma exclusão violenta.
O ser mulher pode ser pensado por duas vias que se cruzam. Ser mulher enquanto resultado da posição de dominação, próximo à natureza e à emoção; mas também ser mulher enquanto peça chave da ação prática, da atuação no mundo contra o sistema patriarcal, visando a libertação da mulher e da natureza. Tal é o pensamento de Ynestra King, que aponta a associação mulher-natureza como mais do que posição de subordinação, mas uma relação dialeticamente importante e harmônica. O ser mulher, portanto, não esteve passivo, ou estático perante todo o processo de dominação. É no bojo da dominação que grupos subordinados criam e constroem sua práxis revolucionária.
Contudo, generalizar acaba por reproduzir certas perspectivas dominantes, como os dualismos feminino/masculino, mulher/homem. Nesse sentido, o ecofeminismo queer (Rosendo, 2017), outra vertente da epistemologia, busca desconstruir tais dualismos. Não se trata de retirar do ser histórico mulher a história de sua posição subjugada, mas reconhecer que tal posição não é natural como prega o patriarcado, e muito menos homogênea, e sim uma construção reiterada de delimitação do ser. É nessa lógica patriarcal e cisheteronormatizada que seres são posicionados de forma subjugada e representam o que há de “abjeto”, ou seja, negado.
Com as palavras de Gaard (1999), é possível enxergar a dinâmica dessa luta:
“A partir de uma perspectiva ecofeminista queer, então, podemos examinar as formas como queers são feminizadas/os, animalizadas/os, erotizadas/os e naturalizadas/os em uma cultura que desvaloriza as mulheres, os animais, a natureza e a sexualidade. Podemos também analisar a forma como as pessoas não brancas são feminizadas, animalizadas, erotizadas e naturalizadas. Finalmente, podemos analisar como a natureza é feminizada, erotizada e mesmo queerizada”
É contra todas essas estruturas criadas, implementadas e impostas que os ecofeminismos vão atuar. Podemos, assim, falar de uma resistência interseccional, aquela que propõe a luta contra várias formas de dominação percebidas de forma indissociável.