A emergência climática e a devastação socioambiental são alarmantes. A temperatura média sobe a cada ano, causando ondas letais de calor, tempestades, ciclones, furacões, longas secas e inundações devastadoras. Os desmatamentos, queimadas e incêndios florestais são cada vez mais extensos e violentos. A biodiversidade do Planeta se reduz a cada ano, em todos os biomas – ou sistemas ecogeográficos e bioculturais. Safras agrícolas vão ficando comprometidas e a fome aumenta. A crise hídrica é generalizada, com secagem de nascentes e riachos, e crescente estresse de bacias hidrográficas, seja pela drenagem de águas para irrigação de grandes monoculturas, seja pela demanda de mega-empreendimentos como barragens, hidrelétricas, hidrovias e mineradoras.
Migração forçada, violência e repressão são consequências diretas desse processo, o que afeta tanto povos indígenas e comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais camponesas – vitais para a preservação dos biomas e ecossistemas –, como os trabalhadores e trabalhadoras nas cidades, cujas condições de vida se deterioram. Desemprego, fome, insegurança pública e falta de acesso à educação, à saúde, à moradia digna e ao transporte público de qualidade são a realidade de milhões de brasileiros e brasileiras.
Enquanto o povo sofre com a violação de seus direitos, a renda se concentra cada vez mais, como resultado das políticas neoliberais e entreguistas. Comprometido com essas políticas, o atual governo promove a submissão dos ecossistemas à lógica dos negócios e destrói as estruturas do Estado de preservação e conservação ambiental, ao mesmo tempo em que ataca as populações que defendem a vida e os territórios nacionais.
As fronteiras da mercantilização se expandem em direção às florestas, sem poupar nenhum dos nossos biomas, destruindo ecossistemas ricos em diversidade biológica e sociocultural, causando desequilíbrios e zoonoses potencialmente mais graves que a Covid-19.
A pandemia atual pode e deve ser encarada como um sinal de alerta: ou levamos esse aviso a sério e atuamos coletivamente em mútua proteção e prevenção de novos surtos ou a catástrofe se aprofundará. Essa parece ser a aposta do capitalismo global e das elites nacionais, historicamente devotadas somente a seus próprios interesses, ainda focadas no “desenvolvimento” destruidor, no extrativismo predatório e na financeirização de tudo – terra, água, matas, ventos, sol, fotossíntese, vida, a natureza toda.
Sabemos quem mais sofre com isso: a classe trabalhadora, as mulheres, os povos e comunidades indígenas, as populações negras, migrantes, empobrecidas e periféricas. Às formas históricas de exploração e opressão somam-se modalidades recicladas de racismo e de injustiça ambiental. A pandemia da Covid-19 aprofundou as desigualdades em um momento inédito de convergência de crises: social, energética, hídrica, alimentar, sanitária e ambiental e dos cuidados. A crise ecossocial e civilizatória é, ainda, aprofundada por uma deriva política e ética. O “normal” é o problema e as apostas em um “novo normal” aprofundam essa lógica.
I. Uma emergência climática com respostas insuficientes
Embora hoje mais evidente, conhecíamos há tempos a envergadura da tragédia socioambiental há tempos. Um século de pesquisas foram identificando os efeitos das atividades humanas no clima terrestre, o aumento das concentrações atmosféricas de CO2 e os riscos e impactos das mudanças climáticas. O clima do nosso planeta depende de um equilíbrio entre os fluxos de entrada e saída de energia. A radiação solar que chega é balanceada pelo calor que nosso planeta irradia de volta para o espaço, que é apenas uma fração do calor liberado pela superfície, já que parte dele permanece na Terra pela existência na atmosfera de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Se a concentração desses gases aumenta, menos calor escapa para o espaço; com o acúmulo de energia no Sistema Climático Terrestre, temos o aquecimento do planeta, já com tantas evidências.
Nos países capitalistas centrais e na China, a maior fonte de emissões é o uso de carvão, petróleo e gás como fonte de energia. Já no Brasil, aparece como o principal fator a mudança do uso do solo, com o desmatamento, queimadas e uso intensivo de agrotóxicos. Em seguida, as emissões provenientes da agropecuária – infladas pelo gigantesco rebanho bovino – e do setor de energia, que faz uso intensivo de combustíveis fósseis em termelétricas e nos transportes. O agronegócio responde, no Brasil, por 70% das emissões dos GEEs.
A desestabilização do clima já tem impactos irreversíveis, como a redução sensível nas geleiras, a perda massiva de gelo marinho no Ártico e o comprometimento de corais tropicais, além da extinção de inúmeras espécies. Temos uma evidente emergência climática e ambiental que precisa ser tratada como tal para que os danos não sigam se agravando em progressão exponencial.As iniciativas coordenadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), tais como as Conferências e Convenções sobre o Clima e a Biodiversidade, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo não revertem nem mesmo melhoram a situação. Créditos de Carbono ou Redução Certificada de Emissões tornam-se garantias do direito de poluir: mecanismos de vergonhosa especulação, em que governos pressionados por empresários, principalmente do agronegócio e da indústria do petróleo, negociam subsídios e isenções fiscais para aumentar a produção enquanto as temperaturas continuam subindo.
Uma simples ampliação da presença das renováveis na matriz energética não é suficiente. Na última década, a geração de eletricidade por eólicas quintuplicou e a geração solar cresceu 34 vezes, mas as emissões de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis cresceram 14%. Sem “achatar a curva” da demanda energética e fazer a inserção das fontes renováveis de modo substitutivo, e não apenas complementar, as renováveis crescerão – acompanhadas de impactos sobre os territórios, da mineração de matérias-primas à instalação dos equipamentos – sem equacionar a questão climática e os impactos socioambientais.
Nem se pode apostar que “novas tecnologias” nos salvarão como que por milagre. A geoengenharia nos condena a cenários mirabolantes, similares aos do paciente que não pode sair da UTI… Ela ameaça criar uma permanente dependência dessas tecnologias, com seus efeitos colaterais terríveis, como secas e fomes regionais e agravamento da acidificação oceânica e uma concentração ainda maior do poder político e econômico sobre estes processos. E podem ter consequências absurdas, como um “remédio” que mata o doente mais rápido que a enfermidade…
II. O novo contexto: acordos verdes e a importância de uma transição ecossocial
Não há “maquiagem verde” que funcione se não mudarmos o sistema. O quadro ameaçador exige uma mudança de rumo. Nos países centrais, iniciativas diferentes vinculadas a um Green New Deal, ou Novo Acordo Verde, estão em construção. Na América Latina, um Pacto Ecossocial do Sul foi recentemente lançado, buscando articular justiça redistributiva, de gênero, étnica e ambiental. A disputa política é intensa. Por um lado, atores dominantes apostam em novas articulações entre o imaginário ambiental e a acumulação do capital. Por outro, atores críticos denunciam as tentativas de renovação do “capitalismo verde”. Sem transformações substanciais do modelo de produção, consumo e distribuição – isto é, das raízes do aquecimento global e das mudanças climáticas – o quadro se agravará, aprofundando as desigualdades sociais e Norte/Sul, a financeirização da natureza e o racismo ambiental.
No Brasil e no restante da América Latina e do Sul Global, caminhos para a transformação real vêm sendo criados há muito tempo. Em nossos países, mesmo tendo sido moldados pela colonização e pelo racismo estrutural, populações indígenas, quilombolas e uma grande variedade de comunidades, coletivos e experiências resistem em seus territórios e culturas e demonstram que é possível outra relação com a teia da vida. Para nossos povos resilientes e resistentes, a terra é mãe que gera e nutre: da Pachamama, na tradição andina, à “Terra sem Males” – Ivy Marãey, na tradição guarani; e Paraíso Terrestre, Criação divina, na tradição cristã. Ao contrário da destruição promovida pelo capitalismo globalizado, exacerbada durante o Antropoceno – a época geológica atual em que a espécie humana é a determinante –, impõe-se reconstruir nossa relação com a natureza, percebê-la de novo como a casa de tudo e todos/as, que precisa ser cultivada e preservada, em interação e harmonia com os outros seres vivos com quem compartilhamos o mesmo espaço.
O mesmo processo de expropriação e mercantilização da natureza impacta a classe trabalhadora. Atingidos pelo desemprego, precarização das condições de trabalho, flexibilização de direitos, informalidade, jornadas cada vez mais longas, violência e piores condições de vida, os trabalhadores e trabalhadoras das cidades vivenciam a mesma lógica que o capital submete a natureza, com níveis de degradação e destruição similares. Apesar disso, resistem, criam alternativas e devem ter papel de destaque na mudança desse modelo. A transição aqui proposta implica a criação de um amplo programa de garantia de direitos, redução das jornadas de trabalho e geração de empregos capazes de recuperar as condições ambientais degradadas, assim como de postos de trabalho que transitem para uma economia de baixo carbono, tanto do ponto de vista do consumo de energia como da produção de bens materiais e serviços.
Nas cidades, no campo, nas águas e nas florestas, vão se criando novas formas de entendimento desse metabolismo humanidade/natureza e vão se recuperando tecnologias milenares de convivência, sobrevivência e re-existência, da humanidade e do planeta. Os movimentos de trabalhadores/as rurais sem-terra, de quilombolas, ribeirinhos/as, pescadores/as e povos da floresta, de pequenos/as camponeses/as e agricultores/as familiares, de sem-tetos, feministas, ambientalistas; as organizações sindicais e associativas de trabalhadores/as; a negritude, as juventudes, os LGBTQ+s e os mais diversos movimentos populares resistem, resgatam ensinamentos ancestrais indígenas e afro-ameríndios, enquanto unem teoria e prática para refazer as relações com a natureza e entre os/as humanos/as.
Nós nos reconhecemos nessas lutas, em suas ideias e ideais, delas participamos e nelas apostamos, compartilhando caminhos e horizontes com todas aquelas que têm apostado e construído, no dia a dia, em nível local, experiências e agendas vinculadas à ecologia, à justiça socioambiental, à descolonização, ao Bem Viver, ao Outro Mundo Possível.
III. Chamado à construção de uma estratégia comum de transição
Este é um chamado inicial para a construção coletiva de um projeto de profunda transição ecossocial no Brasil, que formule alternativas capazes de interromper o longo ciclo de destruição comandado pelo capitalismo global e nacional baseado nos combustíveis fósseis, e reconstruir um horizonte de futuro, perdido em nosso trágico presente. Esse projeto só pode ter êxito se for fruto de reflexão e ação coletivas, capazes de incorporar variadas formas de conhecimento, saberes, experiências e tecnologias — tanto as reconhecidas como “científicas”, como as de tradição milenar que o racismo tachou de “inferiores” para expropriar os povos colonizados das riquezas deles oriundas. Esse projeto deve resultar da convergência de diferentes protagonistas, num mosaico capaz de imaginar e construir alternativas reais, levando em conta toda nossa diversidade.
Buscamos uma formulação capaz de articular as diversas dimensões que envolvem a crise ecossocial, em um processo de transformação das relações de produção e reprodução da vida, em propostas e programas concretos de ação, em todos os níveis e com todos os/as agentes envolvidos/as, cada qual com seu grau de responsabilidade pelos problemas e correspondentes soluções.
Trata-se não apenas de formular propostas concretas, mas de articulá-las em uma estratégia de transição para outro paradigma de sociedade – ecossocialista. O futuro começa a ser construído aqui e agora, mas sem uma bússola que nos oriente nas alianças políticas. Nas lutas dos territórios e nas diversas temporalidades das diferentes iniciativas, conquistas importantes podem ser perdidas e rapidamente dar lugar a grandes retrocessos, como os que vivemos hoje. Temos que ser capazes de encadear medidas de contenção de desastres e reformas, que sabemos emergenciais, com as lutas por justiça social e ambiental e propostas de legislação duradouras. Mas essas medidas e essas lutas só serão viabilizadas com a construção da força social e política capaz de impor sua efetivação, uma força a se tornar cada vez mais coesa nas lutas pela descarbonização do processo produtivo e da sociedade e por alternativas sistêmicas que se reforcem mutuamente.
IV. Uma agenda aberta e propositiva
Precisamos construir respostas urgentes, mas não apressadas. Olhando para o futuro, não podemos nos permitir cometer os erros do passado. As diretrizes abaixo são eixos para uma transição ecossocial no Brasil que, sem desconsiderar a conjuntura atual alarmante, buscam ir às raízes dos problemas, articulando justiça social e ambiental. Elas devem ser aprofundadas e desdobradas em orientações transversais, mas também em políticas e ações específicas.
1. Recompor e reorientar as políticas ambientais.
Precisamos defender e recompor a política e o sistema de gestão e controle ambientais, aviltados pelos governos recentes, bem como reorientá-los, para que ganhem sentido estratégico. As políticas ambientais não são obstáculo, mas condição prévia de qualquer avanço social no Brasil, articulando-se com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. Devem ser defendidas e reforçadas no terreno legislativo, jurídico, administrativo e das políticas públicas. É preciso repensar as políticas estaduais e municipais a partir da ótica socioambiental e recompor técnica e financeiramente os órgãos que implementam as políticas fundiária e ambiental, de fiscalização das unidades de conservação e dos impactos ambientais de empreendimentos e controle das áreas desflorestadas.
2. Desmatamento Zero com manejo e restauração das florestas com espécies nativas.
É urgente reduzir ao máximo o desmatamento, sobretudo nas áreas de expansão da agropecuária, cuja contribuição é a principal nas emissões nacionais de GEEs (44%). Assegure-se, contudo, a imensa sociobiodiversidade presente em nossos biomas, sendo os povos e comunidades tradicionais um fator dela determinante. Devemos incentivar, favorecer e proteger as Reservas Extrativistas (RESEX), as de Desenvolvimento Sustentável (RDS), as Privadas de Proteção Natural (RPPN), as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), assim como reformular a política para os nossos biomas – ou sistemas ecogeográficos e bioculturais –, a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga, o Pampa e os ecossistemas costeiros, todos ameaçados no Brasil, cuja legislação específica é atualmente desrespeitada.
3. Promover a demarcação e a autonomia imediatas dos territórios e os direitos da natureza.
É essencial, diante do autoritarismo e das violências socioambientais e étnico-culturais, fortalecer a autodeterminação dos povos e os direitos da natureza, da autodefesa das comunidades socioterritoriais e de suas lideranças, com apoio mútuo e solidariedade. É urgentíssimo garantir a demarcação e o respeito das terras indígenas, dos territórios quilombolas e agroextrativistas. São ações fundamentais e impostergáveis para impedir a destruição dos ecossistemas mais ameaçados: conter o avanço da fronteira agrícola, principalmente, no Cerrado, na Amazônia e no Pantanal, principalmente, e aumentar a fiscalização para impedir queimadas criminosas; acabar com os garimpos e madeireiras ilegais na Amazônia, em especial nas áreas de povos indígenas, sobretudo, os em isolamento voluntário ou de recente contato; promover e garantir a proteção de áreas livres de mineração. O direito à consulta livre, prévia e informada deve ser garantido aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, conforme assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com base nos protocolos comunitários que eles têm construído. Isso significa, também, por todas as partes, o combate à apropriação privada dos territórios desses povos e comunidades pelos megaprojetos e pela mineração predatória que trazem sofrimento e morte.
4. Promover a agroecologia e a soberania alimentar, implementar uma reforma agrária popular.
O modelo de produção baseado no latifúndio, na monocultura, na exploração industrial de animais e na intensificação tecnológica e creditícia, a despeito da propaganda, é danoso ao meio ambiente, aos trabalhadores e trabalhadoras agrícolas, aos consumidores e consumidoras de seus produtos e à economia nacional, ao concentrar ativos e investimentos, voltar-se à exportação, gerar poucos empregos e encarecer a alimentação. Parar a destruição e criar amplos programas de reconstrução do que foi destruído requer encarar de frente os responsáveis e seus interesses, enquadrar o agronegócio, o setor ruralista influente nos três poderes da República e todos seus tentáculos, inclusive os Tratados de Livre Comércio, e avançar em uma reforma agrária popular.
Ao mesmo tempo, simultâneas às campanhas de doação de alimentos em tempos de pandemia e iniciativas que articulam campo-cidade, é preciso ampliar e potencializar a construção da agroecologia e da soberania alimentar, como a única via capaz de acabar com a fome e garantir o direito à alimentação saudável e de qualidade. Isso também exige consideração da justiça reprodutiva, políticas de saúde coletiva e preventiva, além de reparação econômica, cultural e sociohistórica aos povos espoliados secularmente para garantir o atual padrão de reprodução capitalista e de relações humanas e ambientais.
5. Proteger as águas e sistemas hídricos.
O Brasil, privilegiado em potencial hídrico, enfrenta uma crescente escassez de água, pois a segurança hídrica da população é subordinada aos interesses do agronegócio, mineradoras, empreiteiras e concessionárias privadas de serviços públicos de água e saneamento. A “indústria da seca” ganha novas formas, gerando desperdícios, crises hídricas e o definhamento de bacias hidrográficas. A água reduzida a mera mercadoria cria riscos crescentes para toda a sociedade. Porém, como um bem comum, precisa estar disponível, em quantidade e qualidade, através de serviços públicos, para o atendimento das necessidades humanas e dos demais seres do planeta. Para tanto, impõe-se a universalização do saneamento ambiental, além do básico, com a eliminação das fontes de poluição agrícola (pesticidas e fertilizantes), química e industrial, e a proteção dos nossos rios e aquíferos. A água exige uma administração democrática, participativa de fato, com distribuição de responsabilidades e arranjos institucionais complexos e eficientes.
6. Transição energética e produtiva, para superar o uso dos combustíveis fósseis.
Precisamos, sim, assumir o desafio de descarbonizar nossa matriz energética e de transportes, adotando fontes mais limpas, renováveis e adequadas às exigências atuais, porém, de uma forma que desmercadorize, democratize e descentralize as alternativas. Isso requer também alterar a demanda no sentido oposto ao atual modelo de consumo e produção “infinitos”. E exige garantir a criação de “empregos verdes” de verdade, capazes de permitir um deslocamento das atividades relacionadas à produção de mercadorias e serviços de alto impacto, geradoras de GEEs, para outras mais harmoniosas com o meio e de fato sustentáveis.
7. Um novo modelo de cidade e consumo.
Nossas cidades se tornaram ou estão se tornando inviáveis; precisam ser transformadas. A especulação imobiliária monopoliza as regiões centrais, suas estruturas e serviços, empurrando para as periferias a população empobrecida e as atividades mais poluentes. Precisamos repensar a mobilidade urbana, a partir de sistemas de transporte público acessíveis e com interligação entre os diferentes modais, de baixo carbono, que desestimule o uso dos veículos particulares e de dimensões e consumo extravagantes. Igualmente importante é garantir o direito à moradia e à democratização da cidade, que também passa por, entre outras coisas: moradia sustentável; o combate a uma lógica capacitista de gestão urbanística; a captação de energia solar, sistemas de iluminação, ventilação e refrigeração de baixo consumo, com distribuição de bens e serviços de forma mais racionalizada; o fortalecimento da economia local e solidária, como as feiras livres e a troca de produtos, e com ampliação da reciclagem e reuso de materiais e águas servidas. Sem justiça socioambiental, não há direito à cidade.
V. Uma construção coletiva
A economia fossilista e predatória da natureza em que vivemos está estreitamente ligada à lógica financeira, de produção e crescimento a qualquer custo, concorrência e especulação irrestritas, austeridade fiscal, concentração de renda, propriedade e poder e geração de desigualdades e exclusões. Da mesma forma, uma transição ecossocial está associada a uma lógica econômica de bem-estar, garantia de renda, serviços e direitos, empregos verdes, cooperação e solidariedade, prioridade para a reprodução e o Bem Viver, cujas ramificações compreendemos e abarcaremos em nossas propostas futuras.
Nosso ponto de partida é afirmar que a construção coerente de alternativas ecossociais não é tarefa para um horizonte distante. As práticas, horizontes e políticas de justiça socioambiental existem, já são praticadas e podem ser ampliadas. No entanto, não bastam “ilhas de resistência”. Diante de polarizações simplificadoras e do discurso de que “não há alternativa”, é preciso avançar na ampliação de outro paradigma que defenda radicalmente a vida e todas suas dimensões e interfaces com classe, gênero, raça e etnias, na natureza. Construir uma transição ecossocial não é mais uma escolha, é uma necessidade urgente.
As diretrizes acima apontam tanto para tarefas coletivas de formulação política como para ações e movimentos práticos que devem envolver milhões de pessoas. Nosso próximo passo será desenvolver essas diretrizes com todas e todos que se façam solidários e solidárias com os objetivos e propostas deste Chamado.
Adesões em: Chamado para uma Transição Ecossocial no Brasil