Por Talita Gantus
O ciclo da água, também conhecido como ciclo hidrológico, refere-se ao movimento contínuo que a água faz pelo meio físico e pelos seres vivos do ecossistema, passando através da atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera. Trata-se, portanto, de um importante ciclo biogeoquímico que faz com que esse indispensável recurso natural esteja constantemente no ambiente.
Damos o nome de ciclos biogeoquímicos àqueles ciclos nos quais uma determinada substância passa do meio abiótico (ar, água, solo) para os seres vivos e passa destes de volta para o meio. Logo, ciclos biogeoquímicos são processos em que há ciclagem de elementos. O ciclo da água destaca-se como um dos principais ciclos biogeoquímicos, uma vez que essa substância é encontrada em absolutamente todos os seres vivos e participa de seus processos metabólicos, sendo fundamental sua ciclagem no meio.
Esse processo depende da luz solar, que garante que a água evapore, dando início ao ciclo. O vapor de água sobe para camadas mais altas da atmosfera e condensa-se, formando nuvens, que são pequenas gotículas de água no estado líquido. Quando essas nuvens ficam carregadas, ocorre a precipitação (chuva), que pode ocorrer na forma líquida ou nas formas de granizo e neve. A água da chuva, então, retorna para a Terra, podendo seguir diferentes caminhos, como voltar para lagos e rios ou infiltrar-se no solo.
As florestas desempenham papel fundamental no ciclo da água. A floresta, pela evapotranspiração das folhas, irriga a atmosfera com vapor de água. Justamente por isso, o desmatamento contínuo da floresta tem causado uma redução drástica da transpiração e, consequentemente, tem afetado na dinâmica de chuvas, prolongando a estação seca.
A Floresta Amazônica, por exemplo, possui essa característica. Uma árvore de 10 metros é capaz de “bombear” para o ar mais de 300 litros de água por dia. Nesse caso, evapora-se a água presente em suas folhas e também a água presente abaixo do solo, que é captada pelas raízes.
Como a chuva compõe o ciclo hidrológico, recarregando os aquíferos subterrâneos por meio da infiltração no solo, o desmatamento prejudica essa recarga, secando, assim, os lençóis freáticos.
A vegetação do Cerrado também auxilia na captação das águas das chuvas para o abastecimento de três importantes aquíferos, com destaque para o Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo em extensão e também em volume, responsável pelo abastecimento de boa parte do Brasil e também de outros países.
Alguns dos mais importantes rios brasileiros possuem boa parte de suas nascentes na região do Cerrado. O Rio São Francisco é um deles: ao todo, o Velho Chico possui cerca de 90% de suas nascentes localizadas nesse domínio, que abriga, no entanto, cerca de 55% de seu leito.
Até mesmo a Bacia Amazônia não escapa: o rio Xingu, um dos muitos afluentes do Amazonas, advém de nascentes do Cerrado, o que também acontece com a maior parte da Bacia Tocantins-Araguaia e com as bacias do Paranaíba, do Atlântico Leste e Atlântico Leste Ocidental.
A Bacia Platina, por sua vez, é também resultante de águas que surgem no Cerrado, que abriga o início das bacias do Paraná e do Paraguai. Essas bacias juntam-se e formam a rede de drenagem em questão, que envolve o Rio da Prata, um dos mais importantes da América do Sul.
Boa parte dessa configuração estratégica do Domínio Morfoclimático do Cerrado está na sua posição e no relevo. Em termos de extensão, o Cerrado é a segunda maior formação vegetal da América Latina, atrás apenas da Floresta Amazônica, ocupando, assim, uma posição central ao longo do espaço natural e geográfico do continente sul-americano. Além disso, as formas de relevo, sobretudo nas zonas planálticas, contribuem para o surgimento de nascentes de rios, que rapidamente se deslocam para outras áreas, ao mesmo tempo em que possuem um grande potencial hidrelétrico.
O cerrado está com 50% de “área convertida”, ou seja, no lugar da vegetação nativa há muitos espaços abertos ocupados por pastagens ou por plantações de monocultura de soja - ou seja, pelo agronegócio. Cerca de 70% do abastecimento hídrico é endereçado à agricultura e à pecuária.
Via: ciclovivo.com.br
Há uma peculiaridade nos aquíferos subterrâneos do cerrado: eles são mais profundos. Por isso, a vegetação endêmica da região possui raízes profundas, pois, em se tratando de uma região que enfrenta períodos de seca mais prolongadas devido a sua posição geográfica no globo, a vegetação nativa consegue atingir essas fontes de água no subsolo. Mas a soja, espécie não apropriada pra esse bioma e que apresenta raízes mais superficiais, muito cultivada pelo agronegócio na região, necessita de um grande volume de água irrigada em seu processo produtivo.
Pra ter acesso a essa água, é preciso um sistema de bombeamento que retira a água do lençol freático que acaba por exaurir essas fontes hídricas. Há ainda um agravante, parte da água utilizada na irrigação da agricultura com agrotóxicos, ao retornar ao ciclo hidrológico, infiltra no solo levando consigo os contaminantes.
Devido a todos esses fatores combinados - desmatamento para pastagens e plantio de monoculturas, uso intenso de água nesses processos produtivos e contaminação do lençol freático pelo uso de agrotóxicos -, pode-se afirmar que o agronegócio é o grande responsável pela crise hídrica no país. Esqueça os banhos curtos!
Fontes:
Agência Nacional de Águas (ANA). Disponível em: https://arquivos.ana.gov.br/institucional/sag/CobrancaUso/Noticias/BrasilPost-MaiorConsumidorDeAguaSetorAgricolaSeDefendeEPregaAPrecificacao,EducacaoEInvestimentos.pdf
Revista Conexão de Saberes nº 2. Disponível em: https://www.apontepronorte.org/revista2
Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2017/02/08/cerrado-perde-metade-da-vegetacao-nativa-agronegocio-acelera-o-processo
Filme ‘Ser tão Velho Cerrado’. Disponível na Netflix.
SILVA, Elaine Barbosa da et al. A dinâmica socioespacial e as mudanças na cobertura e uso da terra no bioma Cerrado. 2013. Disponível em: https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/3277