O genocídio Indígena durante a Ditadura Militar

Por: Ana Flávia Carvalho


Imagem: Ana Flávia Carvalho

Os anos de chumbo da Ditadura Militar marca impressões na sociedade que são praticadas e estão latentes até os dias de hoje, ocultos ou escancarados nunca deixaram de ser narrados pelo estado, pela classe opressora, correspondida pela burguesia, e pela polícia militar.

No lançamento deste quadro do Fórum Popular da Natureza, Carta Popular, publicada às quartas-feiras, e, atrelado ao mês de abril, decidimos abordar os rastros da crueldade do viés atroz e desumano dos anos de chumbo da ditadura militar. O companheiro Fred Breyton e a companheira Isabela Kojin Peres já publicaram suas reflexões do que devemos, por um mínimo senso de relações humanas e de justiça, nunca mais permitir que seja repetido e lutar contra as intervenções desse fantasma. Dou continuidade ao tema com outros fatos que apontam o abuso de poder perpetuado por este momento bestial da história desse território.

Durante 21 anos, grande parte da população foi submetida a um desatinado processo da prática de violência em magnitude extrema e aplicados através de diversificados métodos, sejam eles pelas torturas, assassinatos ou tomadas de direitos conquistados, principalmente contra as classes trabalhadoras, povos originários, comunidades tradicionais e pequenos produtores rurais. Houve um cataclismo econômico, social e da desvalorização da vida, a hiperinflação crônica e níveis crescentes de concentração de renda em uma pequena parte da população (em torno de 6%), e aumento significativo da pobreza, resultando em um outro significativo acréscimo das pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza extrema e miséria ao longo desses anos até os dias de hoje.

Característico famigerado negacionista o período do regime militar contesta tais ações de tortura e assassinato incorrendo a queima de arquivos que protagonizavam as suas atrocidades, porém esses atos são confirmados na contramão desta falsa prerrogativa onde fatos reais contabilizam 434 pessoas, entre mortos e desaparecidos, durante o regime além de um ato genocida contra os povos originários de cerca de 8,3 mil indígenas, principalmente das regiões do Mato Grosso, Maranhão e Amazônia, onde etnias inteiras foram dizimadas.

O genocídio indígena praticado principalmente, por latifundiários, policiais e funcionários do SPI, ao longo das décadas de 1940, 1950 e 1960, apenas foi descoberto 45 anos depois de aberta uma CPI contra a SPI (Serviço de Proteção ao Índio). O documento que, supostamente, havia sido eliminado em um incêndio no prédio que sediava a SPI no Ministério da Agricultura, chamado Relatório Figueiredo (com mais de 7 mil páginas), foi recuperado nos arquivos do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro, e apurava o massacre contra os indígenas com inúmeros crimes com crueldades, perversidades e violações aos direitos humanos.

As terras indígenas, às vistas dos militares e seus comparsas, atravancavam o processo desenvolvimentista da época e eram consideradas um empecilho aos projetos rumo à modernidade brasileira. O regime militar brasileiro implementou o Plano de Integração Nacional (PIN), com gestão desde o governo Castelo Branco, para expandir as fronteiras internas do Brasil, criando cidades, ampliando os negócios, as rodovias, ferrovias e favorecendo o escoamento de matérias-primas. Todo comportamento considerado inadequado frente à política de desenvolvimento do governo era eliminado. E as comunidades indígenas eram seus principais alvos.

“O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana… Reafirmamos que parece inverossímil haver homens e mulheres, ditos civilizados, que friamente possam agir de modo tão bárbaro.” (Relatório Figueiredo)

Crimes contra a pessoa e patrimônio indígena, de crucificação, castigos físicos, espancamentos (independente de idade ou sexo), trabalho escravo com usurpação do produto de trabalho, cárcere privado, apropriação e desvio de recursos, venda de gado, arrendamento de terras, venda de madeiras e exploração de minérios. Chacinas foram promovidas e inoculadas por fazendeiros por intermédio de mudas de roupas contaminadas com varíola, aviões que sobrevoavam os povoados e despejavam brinquedos infectados pela gripe, atividades que atraíam indígenas a regiões que enfrentavam algum tipo de epidemia, ataques de metralhadoras e dinamites e doações de açúcar misturado a estricnina, foram ações de extrema crueldade praticadas contra os povos da floresta a fim de tomarem seus territórios e direitos.

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Foto: Relatório Figueiredo - reprodução

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Foto: Relatório Figueiredo - reprodução


Foto: indígenas Suruís, acorrentados por militares do Exército Brasileiro, durante a construção da Rodovia Transamazônica - reprodução

Em 1967, como resposta ao escândalo de corrupção, esbulho de terra e renda, as denúncias de violações de direitos humanos, envolvendo políticos, empresas, fazendeiros e a SPI, foi criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Todavia não se tratava de dar por encerrada a perseguição e o processo de apagamento histórico desse povo, atos perversos continuaram sendo promovidos em outras esferas. Exemplo dessa prática foi a criação da GRIN (Guardas Rurais Indígenas) em 1969, quando a FUNAI desenvolveu a guarda rural, em parceria com a Polícia Militar, formada exclusivamente por indígenas que, ludibriados pelo poder público, foram transformados em milícias armadas com revólveres e cassetetes que eram responsáveis por ações de policiamento nas áreas indígenas.

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Foto: a GRIN, técnica do pau-de-arara, quando uma pessoa é presa pelos joelhos e pulsos em uma barra de madeira, era uma prática comum na ditadura - reprodução

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Foto: Desfile da Guarda Rural Indígena - reprodução

Esse movimento chancelou a ação de indígenas contra seu próprio povo, foram desprovidos de sua cultura e modo de viver, catequisados e indumentados para servir o estado, num falso discurso de proteção ao território, treinados a perseguir seus parentes, trabalhando a favor do seu próprio algoz.

Hoje, contabilizados 36 anos do término da ditadura militar no Brasil, massacrados governo após governo, os povos originários desse território foram dizimados a pouco menos de 1 milhão de habitantes, se dividem entre 305 etnias e falam ao menos 274 línguas, sinônimo da resistência de 521 anos de afronta ao seu modo de vida e cultura de harmonia e salvaguarda dos animais e da natureza irmã, mãe e provedora, dos seus corpos-territórios. Contabilizados 36 anos que vivem acossados à sombra da ditadura militar, o Brasil repete e perdura no erro, ano após ano em nome do desenvolvimento, que não envolve, separa e que não evolui, retrocede.

Retrocesso intensificado pelo governo capitalista, bolsonarista, que adota medidas de ocultação, sonegação e supressão dos direitos indígenas adquiridos e promulgados na constituição de 1988 e representado em facetas encruadas do militarismo em nossa sociedade.

As comunidades indígenas continuam sob ações genocidas impressas em projetos de lei e propostas de emendas constitucionais, algumas em curso outras substituídas por novas propostas, sejam elas no MPF, no STF e instâncias deliberativas do executivo e judiciário do congresso nacional brasileiro.


Ministério da Justiça, Brasilia Ato Contra o Marco Temporal - foto: Ana Flavia


Ocupação da Funai pelas demarcações de terras - foto: Ana Flavia


Brasília - ATL (Acampamento Terra Livre) foto: Ana Flavia


Brasília - foto: Ana Flavia

Essas facetas se manifestam e são praticadas de inúmeras formas. Pela militarização da FUNAI que segue desmantelada e sucateada; pelos devaneios da rainha do desmatamento, a senadora Kátia Abreu, que já chefiou o Ministério da Agricultura a favor do agronegócio; pela Ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, e suas práticas desumanas às comunidades indígenas como por exemplo permitir uma comitiva evangélica, em plena pandemia, que fosse conduzida a área de indígenas de contexto isolado; por todas as formas de descaso, desmonte e descumprimento às leis, órgãos e instituições de proteção e o controle por ruralistas de órgãos ambientais anulados os direitos de populações indígenas e tradicionais através do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que é esvaziado de suas competências sob comando do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e da secretária Carla Zambelli; pelo assombramento da aplicação do Marco Temporal e Parecer 001 da AGU da “desmarcação” de terras demarcadas e homologadas; pela PL da invasão a PL 191/2020 do arrendamento de Terras Indígenas e exploração de minério em terras demarcadas; por todas diversas formas de subsidiar a PEC 215/00 que submetia ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil; pela pandemia do novo corona vírus que fez vítimas fatais 1.038 indígenas; pelo constante descumprimento da OIT 169 da consulta prévia, livre e informada aos povos originários acerca de qualquer projeto, medida ou iniciativa que afete seus direitos, suas vidas e seus territórios; pelo braço governamental do agronegócio e da indústria do veneno; pela estagnação da demarcação e homologação de terras através do presidente da república; por entre ataques sequentemente promovidos pela bancada ruralista, da bala e evangélica.

Enfim, a ditadura, perdura?

“O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS É CLÁUSULA PÉTREA”

Referências:

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