Ciência e natureza: pandemia como parte da crise ambiental: é possível enfrentar as mudanças climáticas sem mudar o sistema?"

Vijay Prashad - Historiador jornalista indiano, é diretor do Tricontinental: Institute for Social Research

Luiz Marques: Historiador, professor da Unicamp e autor de “Capitalismo e colapso ambiental”

Marildo Menegat: Filósofo e professor da UFRJ

Miguel Nicolelis: Médico, neurocientista e professor da Duke University. Coordenador do Comitê Científico do Consórcio do Nordeste.

Dentro do contexto do cuidado do planeta e da redução de danos à natureza, sintetize o que podemos fazer em conjunto (sua organização/coletivo/grupo/ entidade e o FPN) a fim de construirmos novas formas para adiar o fim do mundo?

Miguel Nicolelis

Neurociência tem uma conexão com o problema… a primeira lição da pandemia é que esse modelo econômico escolhido no mundo todo, deixou de investir na saúde pública e deixou de criar múltiplos mecanismos de defesa… esse modelo deixou de pensar em questões vitais para a sobrevivência da humanidade… fala em “Deus dinheiro” e “Igreja do Mercado” que vendeu a idéa de que precisamos crescer infinitamente em um planeta com recursos limitados. Criamos fantasias mentais que se tornam mais importantes do que a própria sobrevivência: os sistemas econômicos atuais são exemplos destes mitos e abstrações modernos que não têm nada a ver com o bem-estar e com a sobrevivência… essas abstrações mentais podem nos destruir e destruir as outras espécies.

Esse sistema expõe (invadindo e destruindo biomas) a espécie à extinção. (Livro: o Verdadeiro Criador de Tudo)… o cérebro no expõe a mitos e a riscos. A pandemia expôs uma ferida que pôs o planeta todo de joelhos… mas há o movimento negacionista da ciência.

Nosso desafio é escapar dessas miragens/mitos/abstrações que nos levam à destruição… há outros modelos de desenvolvimento diferentes da Igreja do Mercado (que nos trouxe a uma situação absolutamente previsível)… quando ocorreu a pandemia, os governos e mercados não tiveram a capacidade de responder adequadamente ao desafio.

Vijay Prashad

4 pontos sobre as mudanças climáticas e capitalismo

Choque do Corona: Os países estão reagindo de forma diferente. Países capitalistas estão desmoronando diante do coronavírus, por não conseguir mobilizar a ciência e não tem capacidade de lidar com as ações de combate. Países socialistas estão lidando de uma forma diferente: Vietnam não tem nenhum óbito, 450 mil equi pamentos foram enviados do Vietnam ao EUA… não é verdade que todos os países do mundo foram atingidos da mesma forma.

Recessão do Coronavírus: o céu está limpo e os pássaros estão felizes, mas isso não significa que há uma solução para o desastre climático, esse cenário só nos diz que essa sociedade produz veneno. Precisamos encontrar novas soluções.

O capitalismo é capaz de superar a sociedade a base de combustíveis fósseis (Petróleo e carvão)… o capitalismo precisa de energia, mas não especificamente carvão e petróleo… pode ser colar, heólica, hidrelétrica, etc. É possível o capitalismo fazer essa transição para menos carbono? A transição custa cara e o capitalismo é baseado no lucro e não há incentivo para tanto. O capitalismo não apresenta uma solução humanitária, já que só pensa em lucros. Se outras soluções mais baratas apareceram, o capitalismo irá adotar: busca lucro e externaliza os custos (com a poluição, cujo preço é pago pela sociedade). O capitalismo exige energia, não petróleo ou carvão… não são contra as energias renováveis, só não querem pagar o preço para isso. O custo disso será pago por outras pessoas… as baterias de energia solar precisam de lítio (da Bolívia) e cobalto (do Congo)… a transição entre a gasolina para energia solar, mas a energia solar não é socialismo, pois requereu um golpe de estado na Bolívia e trabalho infantil no Congo. A transição energética não é suficiente, pois precisamos de mudar a organização social:

Capitalismo produz lixo (produzindo 2 bilhões de m³ de lixo/ano… 2030 serão 3 bilhões, maior parte da qual produzida nos EUA e 13% reciclada, 5% compostada… 82% vai pro mar, ou enterrado ou queimado). É necessário de controles centralizados para diminuir a produção de lixo;

A cadeia de produção global tem várias formas. O aumento de produção de commodities aumenta a emissão de carbono. No sistema socialistas, seria criado um sistema regional de produção… não faz sentido comprar produtos do outro lado do mundo se vc pode produzir em seu local.

A indústria da guerra americana é a maior emissora de carbono do mundo: Desde 2001, eles produziram 1.2 bilhões de tonelada de carbono. No mesmo período a Inglaterra emitiu 300 milhões de tonelada: os americanos emitem muito carbono por conta da guerra, com suas bases militares em todo o mundo, cruzando o mundo a todo o momento… em um mundo socialista não precisaríamos de um sistema militar global, também teríamos organizações de produção e de distribuição regionalizada. Socialismo é mudar a atitude sobre a sociedade. O capitalismo é desorganizado… o capitalismo não pode resolver a crise climática.

Marildo Menegat

O capitalismo é uma forma de sociedade sistêmica: a vida social submete a natureza as suas necessidades para a produção de mercadorias e transformar dinheiro em mais dinheiro. Dinheiro é uma abstração (valor de troca e não de uso) que reina nessa forma sistêmica. O capitalismo é destruição da natureza para transformá-la em valor… quanto mais bem-sucedido o capitalismo, maior é a destruição.

É impossível falar de ecologia sem falar do capitalismo e de sua expansão planetária (colonizando a natureza do mundo inteiro). Esse modo de produção e de expansão nada tem a ver com bem-estar. Para mobilizar guerras, é necessário mobilizar imensos recursos (indústrias de base nascem do esforço de guerra)… só seremos capaz de pensar em proteção da natureza se pensarmos na superação do capitalismo.

A transformação de dinheiro em mais dinheiro necessita de base material… quanto mais se produz, menos se vale as mercadorias, puxando um aumento incessante da produção de bens (que gera menos riqueza) e da destruição da natureza: hoje precisamos de exaurir os recursos naturais planetários. Nunca a possibilidade de aniquilação da espécie e da vida no planeta foi tão grande… nunca uma destruição foi causada por uma só espécie (homo-semi-sapiens submetidos a um sistema fetichista). OU A HUMANIDADE ACABA COM O CAPITALISMO, OU O CAPITALISMO ACABA COM A HUMANIDADE.

Luiz Marques

O capitalismo não poderá nos satisfazer para controlar as mudanças climáticas: além de gerar o problema, ele é incapaz de detê-lo, nem mesmo de mitigá-lo (TEOREMAS DE IMPOSSIBILIDADE utilizados para não desperdiçarmos recursos em projetos fracassados de antemão: impossível para a economia para além da base material que se possui).

Ao pensar nem nossa incapacidade de renovar nosso sistema energético, temos um impasse: ou seremos uma sociedade com síndrome de privação de combustíveis fósseis, ou teremos uma abundância e overdose de combustíveis fósseis. Os impactos do aquecimento global não são lineares.

Precisamos fazer uma ligação dos saberes que é impossível se não houver uma redefinição da política: 1) a velha plataforma de justiça social é indissociável da questão ambiental… ser de esquerda é pensar em justiça socioambiental. 2) há dois campos na política… a emergência do Fascismo e o campo dos que devem barrá-los. Temos que saber atenuar a emergência que está ocorrendo (desgelo no ártico, desgaste das florestas equatoriais e tropicais) e deve ser já… quanto mais demoremos, mais difícil será.

Acabar com o uso dos combustíveis fosseis;

Desmatamento zero e mudar o sistema animal (diminuir radicalmente o consumo da carne)

Ou fazemos isso, ou acabaremos com nosso projeto humano.

O risco que temos é a somatória dos riscos não existenciais… os 2 graus de aumento na temperatura é irreversível.

Dentro do contexto do cuidado do planeta e da redução de danos à natureza, sintetize o que podemos fazer em conjunto (o FPN) a fim de construirmos novas formas para adiar o fim do mundo?

Luiz Marques: transição energética é fundamental, mas não suficiente. Temos que controlar o uso de energia para os 10% mais ricos… de os 90% usar corretamente a energia e os recursos, dá certo… temos que diminuir as desigualdades para diminuir os impactos humanos na natureza e vice-versa.

Temos que ter uma economia planificada/organizada pelo Estado, mas temos que ter a natureza como referência… fora da subjetividade do consumo e da produção vertiginosa.

Marildo Menegat: o socialismo do Sec. XXI deve abandonar a ideia da produção industrial das necessidades da humanidade. Produzir com máquinas é para organizar o esforço do trabalho humano… (?)

Com relação a poluição do complexo militar… não precisaremos de armas em uma sociedade emancipada… o conforto humano não é produzido pelas bugigangas que produzimos e possuímos.

Temos que superar a forma de produção destrutiva das necessidades humanas… a forma de organização da vida por meio da economia deve ser superada: a economia é uma invenção do capitalismo, os antigos não tinham essa forma apartada de produção de abstratas, uma forma fetichista de dominação social.

As formas de luta partidárias são parte desse sistema, temos que produzir uma contra-esfera pública para se organizar para fora do capitalismo (com instituições anticapitalistas)…

O FPN tem que ter o princípio de não melhorar essa forma de produção, mas sim salvar a natureza, superando o capitalismo.

Vijay Prashad

O ex vice-presidente da Bolívia tem um livro sobre organização dos povos da Amazônia… o socialismo é um modo de luta contra o capitalismo. Na Bolívia tentaram parar o extrativismo para criar o socialismo… o ponto não é extrativismo ou não extrativismos, mas como a comunidade age no controle dos recursos, sair de uma ordem de propriedade privada para ordem coletiva. No Brasil, a reforma agrária é fundamental. O socialismo tem que aprender com experiências anteriores, os movimentos do passado subestimaram a luta de preservação da natureza. O socialismo como nome tem que incorporar a questão da preservação da natureza sem ser purista… temos que superar as dificuldades sociais em conjunto com um plano de transição: o desafio do socialismo é esse processo de transição com menos carbono e menos fome. Criar planos para atender pessoas que vivem em regiões cuja subsistência dependa de atividades poluentes e predatórias… isso requer paciência e determinação. Temos que acabar com a propriedade intelectual e levar boas (modernas e limpas) tecnologias para os países mais pobres sem patentes: são os commons. Tecnologia deve ser submetida ao controle social, não o contraria.

Marildo:

Temos que fazer com que a humanidade se coloque novos problemas: problemas fundamentais para a humanidade (não o fetichismo de hoje)… outros povos e outros tempos históricos produziram questões muito benéficas à humanidade. Os povos das florestas inventaram formas de produção agrícola bem sucedida no meio da Amazônia… fazeres que se perderam para dar passagem para a agricultura extensiva monocultura. Hoje temos tentativas de recuperação de saberes tradicionais para agricultura agroecológica… até a ciência pode ser obscurantista.

O FPN tem que ter a capacidade de ir à raíz à crítica de tudo isso.

Vijay Prashad

Ciência X Consciência Científica: a educação te aproxima de determinada abordagem da ciência e da tecnologia,

Consciência científica: se a população desenvolver a ciência e a consciência cientifica, ela poderá se perguntar sobre os problemas sociais aos quais vivemos, bem como perguntar porque obedecemos a pessoas incompetentes… o capitalismo produz determinadas consciências que leva a superstições, abstrações, etc. Temos que retomar a visão geral sobre o sistema, contra a alienação…

Hoje vc tem acesso aos produtos da ciência e tecnologia, daí vc não pode abolir a ciência, mas o acesso à consciência científica é limitado, deixando margens para superstições e pensamentos absurdos…

Luiz Marques:

Há uma arrogância da universidade e da ciência que precisa ser combatida… esse suposto abismo entre o mundo do saber e o mundo real não existe. A questão de fundo é que vimos da tradição que separava a fé e a razão, a ciência e a religião… separação com sentido histórico importante, mas o Sec. XXI mostra que é possível relativizar um pouco essa dicotomia. A questão do sentido não pode ser resolvida pela ciência… a Igreja católica está se aproximando da ciência.

PROPOSTA: CRIAR UMA ESCOLA POPULAR DA NATUREZA…