Bacia Hidrográfica PCJ e Sistema Cantareira: o contexto de gestão das águas

Anunciamos, aqui, o diálogo realizado pelo Fórum Popular da Natureza - Núcleo Bacia PCJ, São Paulo, sobre as barragens de Pedreira e Sousas.

A partir do diálogo, construímos uma síntese acerca das problemáticas colocadas em pauta. Essa síntese se divide em duas partes: (1) a primeira, que aborda as Barragens de Pedreira e Sousas: impactos, conflitos e alternativas, que você pode ler aqui, e (2) o presente texto, sobre Bacia Hidrográfica PCJ e Sistema Cantareira: o contexto de gestão das águas.

Contexto político e histórico

Colocações apresentadas por Vicente Andreu, ex-presidente da SANASA e da ANA (Agência Nacional de Águas)

O governo federal vem desmontando o Sistema de Águas no Brasil, além de ter passado a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Pode não parecer nada demais, mas significa uma mudança de concepção da ética de gestão e uso: a água sai de uma pasta voltada à preservação e sustentabilidade, sendo a água parte integrante do meio ambiente, para uma pasta de visão utilitarista, que a trata apenas como mercadoria, não como um bem natural e universal. E a construção das barragens de Pedreira e Sousas, SP, se articula com essa visão.

O governo também vem restringindo a participação da sociedade ao reduzir o número de representantes populares no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, transformando-o em um cartório de interesses privados.

Essas represas (ou barragens de água, reservatórios) foram desenhadas na década de 1970, durante o governo desenvolvimentista da ditadura. O intuito foi o de atender à região de Campinas, SP, que se urbanizava a passos largos e que recebia a mão de obra oriunda das zonas rurais, que já não encontrava trabalho no campo, tornando-os trabalhadores urbanos mal empregados e mal remunerados pela industrialização.

Nesse cenário, a água se torna fundamental tanto para as indústrias quanto para a cidade em si. As barragens foram pensadas nesse contexto, projetando um enorme impacto na dinâmica da Bacia Hidrográfica PCJ, mas as obras acabaram não sendo executadas.

Em meados de 2000, o debate sobre a execução desses empreendimentos retornou à pauta do poder público com o discurso da “necessidade de aumentar a disponibilidade de água”. A proposta, novamente, era a construção de represas em alguns pontos ao longo da bacia hidrográfica com a finalidade de captação de água no período chuvoso para disponibilidade no período de estiagem (seca). Porém, as obras permaneceram no papel.

Com a crise hídrica de 2014 e 2015 a alteração do ciclo hidrológico da Bacia Hidrográfica PCJ provocou um período de insegurança hídrica na região de Campinas. Itu, por exemplo, passou por meses de tensão em que a população ficou sem acesso à água. O governo do estado, depois de negar por bastante tempo de que se tratava de uma crise, lançou campanhas de promoção e fomento a grandes obras de infraestrutura como solução ao problema.

Vale ressaltar que, ainda que intensificada pelas mudanças climáticas e o avanço no desmatamento da Amazônia, o que gerou a crise foi a ineficiência ou mesmo a falta de gestão. E, mais uma vez, a alternativa colocada pelo poder público é a construção de barragens.

Ainda que tivesse um objetivo nobre, que seria levar água para os municípios que enfrentaram a seca, isso significava levar a água para cima, para os municípios que estavam à montante da barragem, pois foram estes os que mais sofreram com a crise. A funcionalidade da obra, então, passa a ser a de um mecanismo para reservar a água e enviá-la pra cima.

A esse sistema responsável por transportar a água para cima, para uma região localizada a 75 km de distância, já próxima ao Sistema Cantareira, vencendo um desnível de 196 metros de altura, se deu o nome de Sistema Adutor Regional. Sem ele, as barragens de Pedreira e de Amparo não fazem sentido - estando esta última ainda sem outorga para a execução da obra, devido à qualidade imprópria da água.

Desse modo, trazer a água de Pedreira, no Rio Jaguari, para Campinas, torna-se inviável, pois o custo estimado é de que essa água chegaria por 4 reais/m³, já que a construção desse Sistema encareceria a obra. Esse valor é praticamente o dobro da tarifa de água em Campinas atualmente.

A Sanasa e o Ministério Público, conscientes da inviabilidade econômica, passaram a considerar a construção da barragem de Sousas, no Rio Atibaia, para atender a demanda de Campinas. Veja bem, cara leitora e caro leitor: a justificativa que aponta para a necessidade de construção da barragem de Sousas é a mesma que apontava para a barragem de Pedreira, confirmando que esta última, portanto, é uma obra desnecessária.

Todavia, com a construção da barragem de Pedreira em andamento, mesmo apontada como desnecessária, o anel do Sistema Adutor Regional não será construído, justamente por ser considerado uma obra cara. Cai por terra, nesse momento, a principal justificativa para as obras: a segurança hídrica. Porque não basta fazer a barragem, é preciso levar a água até a torneira da população.

Embora sejam parecidos, os conceitos de segurança hídrica e aumento da disponibilidade hídrica, remetem a necessidades distintas. A segurança hídrica existe quando há água suficiente em quantidade e qualidade, tanto para as necessidades humanas quanto para seus mais diversos usos, sempre zelando pela conservação dos ecossistemas. Deve-se levar em consideração, nos planos de gestão da água, os momentos de secas e cheias. Já a disponibilidade hídrica é avaliada a partir das descargas d’água médias observadas nos cursos de água da bacia hidrográfica em estudo.

Cabe, portanto, o seguinte questionamento: qual o sentido da construção da barragem de Pedreira? - considerando os riscos e impactos socioambientais que ela acarreta, com os 48 mil habitantes que ela coloca em risco permanente.

Não se alerta tão somente para o risco de rompimento, e vale ressaltar que diversos casos já aconteceram antes (e podem acontecer a qualquer momento), mas para o fato de que qualquer operação inadequada da barragem pode colocar debaixo d’água toda a cidade de Pedreira. Portanto, as obras, consideradas por muitos especialistas como insustentáveis e ineficientes, servem apenas para favorecer empreiteiras e mediar barganhas políticas, usando o interesse coletivo - o direito à água - como justificativa. Por isso, a população deve se mobilizar contra as construções.

Mas, ao nos colocarmos contra as barragens, não vamos prejudicar a população?
Não! Estaremos justamente protegendo seus interesses e o meio ambiente!

Há diversas alternativas para solucionar essa questão, em contraposição à construção de barragens - além de melhorar a qualidade de água, equilibrar o clima, etc. A principal delas é a proteção e a recuperação das florestas e da vegetação nativa, especialmente as de mata ciliar (margens de rios e nascentes). Salienta-se aqui a importância de preservação da APA (Área de Proteção Ambiental) de Sousas.

Outra solução é o aproveitamento de uma barragem já construída, a da usina hidrelétrica de Salto Grande, também conhecida como Usina de Americana, com capacidade para 100 milhões de m³ (a de Pedreira comportará 38 milhões). Para torná-la de uso múltiplo, ou seja, capaz de abastecer a população, seria preciso, antes, despoluí-la, processo que melhoraria a qualidade da água e a condição da própria barragem: ou seja, traria apenas benefícios, sem precisar desmatar ou trazer riscos à população.

Manter a lógica de construção de barragens como a única tecnologia viável é manter a rota que nos trouxe à situação atual.

Para pensarmos, juntas e juntos, em alternativas, gostaríamos de deixar uma pergunta para reflexão:

Quais ações estratégicas devemos realizar para sairmos da lógica utilitarista de gestão da água em nossos territórios?

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